Conhecendo um pouco sobre a música

Na capoeira, os “toques” são os ritmos executados nos instrumentos, principalmente no berimbau, que ditam o andamento, o estilo e até o objetivo do jogo que está sendo praticado na roda. Existem diversos toques, e cada um deles carrega um significado e uma energia própria.

É importante notar que os toques podem variar ligeiramente entre diferentes linhagens (Angola e Regional, por exemplo) e até mesmo entre grupos e mestres, mas a essência e o significado geral são mantidos.

Aqui estão alguns dos toques mais importantes e seus significados:

Toques da Capoeira Angola

A Capoeira Angola é conhecida por seus jogos mais lentos, rasteiros, com muita malícia e mandinga. Os toques na Angola costumam ser mais graves e cadenciados. Os principais berimbaus na Angola são o gunga (grave), o médio e o viola (agudo).

  • Angola: É o toque fundamental da Capoeira Angola. Marca um jogo lento, rasteiro, de “dentro”, com ênfase na malícia, ginga e exploração do espaço. É o ritmo para o jogo tradicional de Angola, onde a estratégia e a rasteira são predominantes.
  • São Bento Pequeno (também conhecido como Angola Invertida): Um toque mais cadenciado e lento, frequentemente executado pelo berimbau médio, acompanhando o Angola. Pode indicar um jogo mais técnico e de controle.
  • São Bento Grande de Angola: Tocado pelo berimbau viola, com mais variações e repiques, acompanhando o ritmo do gunga. Pode indicar um jogo mais rápido e floreado dentro do estilo Angola, ou ser usado por grupos para um jogo mais “solto”.
  • Jogo de Dentro: Indica um jogo mais próximo, com malícia, resistência e muito conhecimento do corpo e do adversário.
  • Apanha Laranja no Chão (Tico-Tico): Antigamente, era usado para incentivar os capoeiristas a pegar dinheiro com a boca que era jogado na roda, demonstrando destreza e malícia. Hoje em dia, a prática é menos comum, mas o toque ainda existe.

Toques da Capoeira Regional (Mestre Bimba)

Mestre Bimba sistematizou a Capoeira Regional com uma metodologia de ensino e toques específicos para um jogo mais rápido, técnico e objetivo, focado na luta. Mestre Bimba ensinava 8 toques principais na sua Luta Regional Baiana:

  1. São Bento Grande (da Regional ou de Bimba): É o toque mais característico da Capoeira Regional, indicando um jogo rápido, dinâmico, com muita técnica e movimentos acrobáticos. Exige muita energia e atenção dos capoeiristas.
    • Como reconhecer:
      • Ritmo rápido, vibrante, enérgico, com padrão constante.
      • Dá sensação de urgência e técnica.
    • Como é tocado (modo simples):
      • Alternância contínua entre grave (aberto) e agudo (fechado), intercalados com toques secos (dobra).
      • Sequência padrão:
        aberto – fechado – dobrado (toc-toc)
        Mantendo cadência firme e rápida.
    • Uso no jogo
      • Indica jogo dinâmico, técnico e acrobático, típico da Capoeira Regional de Bimba.
  2. Banguela: Toque mais lento da Regional, usado para acalmar os ânimos dos jogadores quando o jogo esquenta demais ou para um jogo mais “conversado” e cadenciado, com menos contato e mais floreios. Mestre Bimba o utilizava para acalmar “brigas” na roda.
    • Como reconhecer
      • Ritmo mais lento e suave, melodioso, com marcação relaxada.
      • Transmite calma e conversa.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Alterna aberto – fechado – fechado de forma cadenciada, com intervalos mais longos entre cada toque.
      • O som é mais cantado e sem a vibração intensa do São Bento Grande.
    • Uso no jogo
      • Para acalmar a roda quando esquenta demais, promover um jogo cadenciado, de floreios, esquivas e menos contato direto.
  3. Iúna: Um toque solene e reverencial, geralmente jogado apenas pelos alunos formados (formandos) e mestres. É um jogo sem malandragem, focado em movimentos acrobáticos e na “cintura desprezada” (sequências de balões).
    • Como reconhecer
      • Toque grave, profundo e solene, sem canto.
      • Som misterioso, cadenciado, tocado em ritmo lento mas firme.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Realiza-se com toques abertos e graves, sem variações bruscas.
      • Muitos tocam com o berimbau encostado levemente ao corpo para ressaltar o grave.
    • Uso no jogo
      • Usado apenas por alunos formados e mestres.
      • Joga-se a cintura desprezada (balões, quedas acrobáticas) sem malandragem ou rasteiras, em clima de respeito.
  4. Cavalaria: Um toque de alerta máximo. Antigamente, era usado para avisar da chegada da polícia (na época em que a capoeira era proibida) ou de algum perigo iminente. Seu ritmo imita o trote dos cavalos.
    • Como reconhecer
      • Ritmo rápido, repetitivo, crescente, lembrando o trote ou galope de cavalos.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Batidas curtas e secas, muitas vezes sem distinção de aberto e fechado, enfatizando ritmo de alerta.
    • Uso no jogo
      • Antigamente, alertava a chegada da polícia ou perigo quando a capoeira era proibida.
      • Hoje é usado em demonstrações históricas.
  5. Amazonas: Um toque festivo, utilizado para saudar mestres visitantes e seus alunos, em batizados e eventos. Indica um jogo fechado, próximo, com malícia, mas em clima de celebração.
    • Como reconhecer
      • Toque alegre, festivo e vibrante, com variações que lembram cantos indígenas ou temas de festa.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Combinação de toques abertos e dobrados, com variações suaves no ritmo para soar festivo.
    • Uso no jogo
      • Para saudar mestres visitantes e convidados. Indica jogo próximo, malandro, mas celebrativo.
  6. Santa Maria: Toque que, em alguns contextos históricos, era associado ao uso de navalha no jogo, indicando um jogo de perigo e malícia extrema. Atualmente, é um toque que permite um jogo solto e alto, com bastante floreio e técnica.
    • Como reconhecer
      • Toque forte e imponente, quase ameaçador, transmitindo atenção máxima.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Similar ao São Bento Grande mas com pequenas pausas ou acentos extras, criando tensão.
    • Uso no jogo
      • Originalmente associado a jogos com navalha (indicação de perigo extremo).
      • Hoje permite jogo técnico, alto, com floreios, mantendo respeito.
  7. Idalina: Um ritmo mediano, que fica entre o São Bento Grande e a Banguela. Não possui uma exigência específica para o jogo, e o ritmo do jogo acaba sendo um pouco “quebrado”, com movimentos manhoso e floreados.
    • Como reconhecer
      • Toque mediano, nem tão rápido como São Bento Grande, nem tão lento como Banguela.
      • Som manhoso, “quebrado”.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Sequência que alterna aberto e fechado de forma suave, com pequenas quebras no ritmo.
    • Uso no jogo
      • Cria um jogo malandro, floreado, sem exigência específica de tipo de movimento.
  8. Hino da Capoeira Regional: Mais do que um toque, é uma melodia que Mestre Bimba incorporou ao repertório da Regional.
    • Como reconhecer
      • Melodia específica que lembra um hino, tocada com respeito e solenidade.
    • Como é tocado (modo simples)
      • Segue a música composta por Mestre Bimba, tocada com berimbau e cantada pelos alunos.
    • Uso no jogo
      • Tocada em abertura ou encerramento de eventos e batizados, como forma de homenagear Bimba e a Capoeira Regional.

Outros Toques e Variações

Além dos toques tradicionais das linhagens Angola e Regional, diversos grupos e mestres ao longo da história criaram ou adaptaram outros toques, misturando influências ou desenvolvendo estilos próprios:

  • Miudinho: Criado pelo Mestre Suassuna, é um toque cadenciado e mais rápido que permite um jogo muito próximo, de movimentos contínuos e fluidos, com muita malícia e agilidade, em um espaço reduzido.
  • Barravento: Um toque rápido, bonito e agradável de ouvir, em que o solista do berimbau demonstra seus recursos de repique. O jogo geralmente é mais solto e livre.
  • Samango: Criado por Mestre Canjiquinha. Indica um jogo de lado, com poucos movimentos, caracterizado por chapas giratórias e rasteiras.
  • Muzenza: Toque com origem no candomblé, que na capoeira pode demonstrar desprezo pelo adversário, incentivando um jogo mais provocativo.
  • Samba de Roda / Samba Duro: Toques específicos para a prática do samba de roda, que frequentemente acompanha as rodas de capoeira como um momento de celebração e descontração após o jogo.

É fundamental para um capoeirista conhecer e entender os diferentes toques, pois eles são a alma da roda, guiando a energia e o estilo do jogo, e permitindo que os praticantes se comuniquem e interajam de forma profunda dentro da tradição da capoeira.

Temos aqui algumas recomendações de músicas para você:

1- São Bento Grande (da Regional ou de Bimba):

2- Banguela:

3- Iúna:

4- Cavalaria:

5- Amazonas:

6- Hino da Capoeira Regional: